Friday, February 02, 2007

Em obras

Não sei o que fazer com essa expansão desordenada dentro de mim. Eu arrasto as camas, quebro paredes, mudo as portas de lugar e vou deixando a casa aberta pros sentimentos chegarem. Aguardo por ele, observando os detalhes, arrumando os quadros, limpando as estantes, colocando uma musiquinha ambiente. Essa reforma me deixou mais melosa, mais carente, mais quente de sentir. Mas eu procuro a solidão em alguma sala já pronta, corro de mim pra não cair na real, quero qualquer pedaço de chão que já esteja pronto, que me motive a continuar. Eu já fiquei louca com esse cheiro de tinta, e o resto da casa tá muito, tá chato, tá igual, e meu amigo tédio me olha com uma carinha e me diz "Você ainda tem espaço...". Limpo o rosto com muita água, tento lavar o pó dessa obra... Eu já me acostumei com o barulho das britadeiras, você ainda não percebeu? E pra variar, por trás dos estrondos vem esse som de silêncio que eu to ouvindo há uns dias. Esse sonzinho que vem me ninar, vem me dizer que já chega, que essas paredes precisam ser mais fortes, que essa movimentação já cansou, que eu preciso de um pouco de paz. Então vamos lá, estou pronta pra finalizar essa obra, pra decidir enfim as cores dos cômodos e os móveis do quarto. Acontece que quando vai ficando pronto vem o tal do tédio me dizer que ainda dá pra melhorar o espaço. Eu não quero que ninguém ouça as paredes caindo de novo, que ninguém leia meus projetos, que ninguém venha embargar o que é meu. Eu quero só que o sentimento tenha um lugar bonito pra chegar... E cada minuto de espera é precioso, é doloroso, é o sentimento estranho, estrangeiro em mim, procurando um lugar pra parar, pra comer, pra se hospedar. Cada minuto é o sentimento querendo aprender minha língua, minha cultura, minhas atrações imperdíveis, e eu desesperada. Implorando que ele pare com os galenteios e suma logo da minha terra, porque eu faço tudo pra ele, mas nunca suporto o quanto ele me preenche. E ele me olha com compaixão, coloca as malas no chão, vai em direção ao balcão e fica esperando ser atendido... Eu dou ordem aos pedreiros que sumam dali e me deixem sozinha com ele. Ele sabe que vou atendê-lo bem, essa é a especialidade da casa. Mas eu me arrasto pra recepção, pesada, com medo de quanto tempo essa estadia vai durar, e se ele vai mesmo gostar das reformas que me consomem a alma. E ele lisonjeiro, calmo, sóbrio, olha tudo ao redor admirando meu esforço e me diz que vai ficar o tempo que eu quiser, mas eu sei, que logo ele vai embora, e vai deixar um enorme vão, suspenso apenas pelas vigas das suas lembranças e da vontade que ele volte logo.

No comments: